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Uma Geração Abandonada by Alexandra Pereira 2008-08-08 09:27:30 |
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Alguns dos espíritos mais brilhantes do país estão a ser diariamente desperdiçados. Disseram-lhes que viviam numa democracia, que um diploma lhes garantiria acesso ao trabalho, que o estado suportava os seus cidadãos e se interessava por eles, que juventude era sinónimo de oportunidades. Eles estão a descobrir que não é assim: da forma mais dura.
Viviane A. não se recorda exactamente quando foi que abandonou o sonho de ser mãe, mas sabe que foi uma desistência progressiva, à medida que se apercebia de que nunca em idade fértil, no seu próprio país, teria as condições necessárias para educar e manter uma criança. Quando fala disso baixa os olhos e sente-se triste, mas também ressentida contra um Estado que a obrigou a deixar de parte um sonho antigo para poder alimentar-se a si própria e à família, e ter um tecto.
Clara F. era a mais brilhante aluna do seu curso, irreverente e provocadora. Queria fazer um mestrado mas não tinha condições económicas para isso. As bolsas para mestrados acabaram e o seu sonho ficou pelo caminho. Clara tem 32 anos, ainda vive com os pais, e acumula anos de experiência em trabalhos temporários. Ao contrário do que pensava, um diploma de aluna brilhante não lhe garantiu acesso ao trabalho. Diz que tudo funciona por interesses corruptos e que são esses que governam o país. «Quem demonstra iniciativa e ideias novas é pisado ou atirado para o exílio, não há o mínimo de incentivo à mudança», reafirma «as novas gerações são a mudança, não se pode matá-las».
Estes são dois exemplos daquilo a que poderíamos chamar «uma geração abandonada». Gostam demasiado de Portugal para ir-se embora e descobriram na pele como um quase-paraíso pode tornar-se num inferno. Criticam a burocracia acéfala dos funcionários estatais e os lobbies corruptos das empresas privadas. Vêem um beco-sem-saída à sua frente, que equivale a nenhumas oportunidades de realização pessoal, e correm para ele dispostos a desmoronar com a verdade esse muro de tijolo. Não têm nada a perder a não ser a própria frustração.
«Nem sequer as mulheres jovens... quem são de facto as mulheres jovens que escrevem nos jornais ou aparecem na televisão a falar de política? Representam quem? – continua Viviane – Não, não representam as mulheres jovens de certeza, são a filha deste e daquele...». «Eu fui criada com os meus pais a dizerem-me que isto era tudo tão bonito, tínhamos feito uma revolução pacífica – diz Clara – e agora tudo o que vejo são sonhos e expectativas totalmente esmigalhados, ou anestesiados pela santa telenovela diária, que lhes mostra coisas mentirosas e que nunca hão-de viver».
José S. foi para outro país e entretanto regressou. Um profissional brilhante, em Portugal encontrou apenas sub-empregos à sua espera. «A exploração das pessoas é ostensiva e perversa – garante –, aqui não interessam os meus talentos ou sentido crítico nem aquilo que possa fazer por alguma empresa, as pessoas candidatam-se para trabalhar e nem uma resposta merecem, ou são exploradas e mandadas embora sem pagamento. Ninguém as protege. No geral, não há educação nem sensibilidade, dos governantes aos patrões passando pelos taxistas do aeroporto. Eu acho os portugueses extremamente rudes, na sua maioria.». Fala a experiência de quem tem andado pelo mundo. José atribui essa rudeza a crescentes dificuldades económicas e sociais: «é um mal-estar generalizado, que encontra na má-educação e resmunguice uma via de escape, parece que as pessoas têm medo de dizer mesmo o que pensam, e encontram vias paralelas...».
«O potencial que está a ser desperdiçado equivale e milhares de milhões de barris de petróleo», garante Daniel R., «abandonar uma geração é atirar ouro ao mar... e olhe que anda muito ouro à deriva nesse mundo que foi atirado da nossa costa... mas muito mais ficou aqui junto à praia, submerso e por aproveitar». «A geração dos 20 aos 35 sente-se completamente condenada, este ambiente não é o ideal para crescer, a sociedade nega-lhes autonomia de todas as formas e maneiras, desperdiça o talento e criatividade que têm». «Não têm dinheiro para comprar casa, não têm dinheiro para viajar como os outros jovens europeus, não têm possibilidade de se formar em novas áreas, os estudos são demasiado caros para aquilo que ganham, os patrões e horários são inflexíveis, os salários miseráveis, dificilmente têm dinheiro para uma renda, não têm dinheiro para ter filhos, vêem as perspectivas de vida reduzidas a zero...».
«Os apoios à maternidade são manifestamente insuficientes, até parece que o Governo não quer que as mulheres tenham filhos» acrescenta Sara M., que vai ser mãe em breve e se diz «muito desapontada» com o apoio recebido. Nenhum destes jovens parece realmente acreditar que está no seu próprio país, socialmente não se sentem em casa mas excluídos, ou mesmo abandonados. «O que é isto onde eu vivo?», pergunta-se Daniel R. muitas vezes. Só consegue chegar a uma conclusão: «Não é nisto que eu quero viver, porque quero ter um futuro».
Um futuro é o que está em causa para a maioria deles. O direito a sonhar e a concretizar esses sonhos, que estão hipotecados para a maioria. Isto é o que acontece quando uma geração abandonada começa a falar: corações revoltados mas cheios ainda duma certa esperança. Afinal, eles recusam abandonar-se a si próprios.
Portugal |
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